cala a boca, cara!

quarta-feira, 22 de agosto de 2018

A MORTE CHEGA DE MANSINHO NO INVERNO

IN MEMORIAN: J. Pimentel


Escrevi uma vez quando Fellini morreu que eu estava começando a achar indecente fazer obituários. Porque esse histórico é irônico em relação à vida. Nos obrigando a falar das coisas que nos deixaram e não dos que nos deixaram. 

Certamente para cada um de nós, dia importante foi o dia que passamos na praia molhando os pés no mar ou em casa com Hermione deitada ao lado vendo TV com o pensamento distante e desatento como humanos. E talvez menos o dia em que fomos aclamados como modernos, legais, maravilhosos ou grandiosos em nossos palcos. 
Cadengue eu conheci e convivi e trabalhei com ele por uns 40 anos, por mais que não se acredite nisso. A preocupação dele com o primo ou com a mãe, sempre me pareceu mais importante do que todas suas peças.
Com Pimentel  eu frequentei os mesmos corredores do CAC- ele em Comunicação e eu em Artes- e convivi com ele forçadamente desde 1978, após ver  seu Calígula. Ninguém conseguiria nunca mais se livrar de Pimentel e nem daquele Calígula. 
Tornou-se figura pública.
Como figura pública e também política num sentido menor, foi Diretor de artes cênicas de Alguma Coisa Supostamente Importante para as Artes em Recife.Tanto ele como outro tanto de amigos ou conhecidos meus foram.  
Mas certamente esses são os tempos mais sombrios da história de cada pessoa de teatro: quando ascende.
Por sorte, desde que cheguei Pimentel ascendia também -dessa vez aos céus em Nova Jerusalém. José conseguia m feito de ser Jesus, tal pai tal filho.
E é só sobre isso que quero me lembrar na sua ascensão de hoje. Pimentel Cristo.
Ao longo de minha vida conheci alguns Cristos. 
Mas 3 especialmente  verdadeiros.
Primeiro, Frederico Stein, que nenhum de vocês conheceram infelizmente. Foi o iniciador das Paixões “com texto” em Floresta, em enormes campos de bater café. Antes de Stein o único texto que se permitia aos Jesusees era o de dizer "Tenho sêde", na cruz. Pois em Minas de meu tempo os centuriões molhavam a esponja em água, sim, porém ardente. E conta a lenda que alguns Cristos quase despencavam das cruz , tanto que exclamaram  "tenho sede"... 
Stein foi meu grande mestre em teatro. Fazia um Cristo teatralmente verdadeiro. Era professor de exegese e re-escreveu a Paixão como exegeta e como descendente de uma longa linhagem de atores holandeses em sua família. Consegui ser seu bobo em Lear, mas não consegui ser Jesus. A vida às vêzes imita a arte,não?

José Pimentel, certamente o Cristo-ator mais perfeito na expressão de dor. Seu Cristo era basicamente um Cristo sofredor. 
Não convivi com ele para saber se levou para a vida além dos cabelos e barba, alguma qualidade de seu Cristo, mas Paulinha me confessou uma vez que era um amigo tão perfeito e tão generoso que até criou um papel para ela participar da Paixão, sem se importar muito com a exegese do texto evangélico.
E por fim, Zoltan, o meu Cristo. Que foi sem dúvida alguma o maior ator que Recife já conheceu. O DIG realizou- por total e absurda inveja em relação a Nova Jerusalém- a encenação “A Paixão no Campus”. Sem o menor apoio do Diretor ou do Reitor ou de Zé-ninguém, como sempre o DIG faz. 
Claro, depois de ter sido o Cristo-rejeitado de Frederico Stein e ter estudado com ele exegese por 6 anos, eu tinha uma forte tendência a um Cristo realmente real. 
Um tanto crítico. 
Um tanto considerado bufão. 
E um tanto falador, como eu mesmo.

Conversei sobre isso com Zoltan que simplesmente decorou as falas do filho de deus do Evangelho de Mateus, o mais primitivo. Em húngaro, porém. Enquanto rolavam as cenas no Hall do Cac , Jesus falava sem parar seus ensinamentos como emitindo ruídos estranhos a todos.Pois pregava em húngaro, claro. Zoltan conseguiu assim ser não só um Cristo da incomunicabilidade humana, como o verdadeiro Cristo.
Ou ainda acham que alguém o entendeu?  

Daí minha homenagem à vida e a esses 4, nesse dia triste que por 40 anos foi considerado e representado como uma vitória por Pimentel: o da morte da personagem.
”Ascender não é tudo, creiam-me ”(João, I ,13)

Esses são os homens e como os conheci.

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