cala a boca, cara!

quarta-feira, 22 de agosto de 2018

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IN MEMORIAM:  DIRETORES


Ricardo III [abre a peça de Shakespeare exclamando]- “ O inverno do nosso descontentamento está chegando ao fim sob esse glorioso sol de York e todas as nuvens que ameaçavam a nossa casa estão enterradas no mais profundo dos oceanos. Agora as nossas frontes estão coroadas de palmas gloriosas.”

Esse inverno conseguiu levar de uma só vez, dois personagens de nossa história que mais contribuíram para o estabelecimento, a fixação e provavelmente também o fim, da figura do diretor, nas artes cênicas.
A modernidade teatral nasceu com essa figura do Diretor, espero que não tenham dúvida disso. Aqui o TAP a perpetuou e esses dois, não tenho dúvida, foram os que a levaram mais a sério, ou melhor, ao extremo. A fixação de Cadengue transformando o Seraphin num quase-segundo-TAP foi movida sem dúvida por conta desse fascínio com Waldemar que era um verdadeiro cultivador de diretores. Sem ele teríamos que concordar com a maldita frase de que toda modernidade só chegava a Recife quando estava acabando na Europa.
O resto do Tap foi só poeira se acumulando nos livros da pequenina história da saudade. Nem a avantajada tese de Cadengue conseguiria ressurgir tais cinzas.
Parece-me que é o melhor que posso falar deles. O resto não é com eles. “Suas” peças foram boas ou ruins por causa dos que estavam em cena, não por causa de ensaios. No teatrão – ao contrário do teatro de improviso – há uma marca forte  do diretor. Mas só. Diretores não enfrentam seus públicos a não ser em bravatas. A frase citada, de Pimentel, é uma bravata clássica. Porém quem poderá dizer que Pimentel não enfrentava seu público? A vida dele foi uma corredeira de atuações, além das direções. Como diretor podemos dizer, requiescat, como ator nunca: tinha estirpe de tetro, tinha coragem, tinha culhões teatrais.
O jornalista da terra não tem obrigação, parece, de saber das verdadeiras qualidades de nossos protagonistas. Via de regra se fascinam quando podem dizer de boca cheia que o falecido em questão ascendeu socialmente, tendo participado de algum esquema de politicagem vigente em sua época, porque todas épocas têm os seus esquemas, não? Normalmente elencam essa parte miserável da vida das pessoas- que melhor seria se fossem escondidas ou esquecidas pois provavelmente foi a parte onde mais traíram seu ofício, seus ideais e seus amigos- coisas assim como diretorias, presidências disso ou daquilo, sub-diretorias, chefias, ordem primeira do santo grael, ordem da jarreteira....Ou então enchem seus obituários de banalidades, tipo “Pimentel foi Jesus por 50 anos seguidos”( bastava  ele ser o dono da bola,não?) ou “dirigiu clássicos como Shakespeare e Nelson Rodrigues”.( Que não é definitivamente clássico, por mais que algumas vezes tenha tentado ser grego.)
A morte invernal escolheu juntar esses dois em tão pouco tempo por serem essencialmente diretores.
Por terem contribuído para a direção teatral a tal ponto que a exauriram e nos permitiram hoje de nos desfazer dela. Nos permitiram ver melhor o poder mesquinho que se esconde sob sua máscara histórica. Becket fez isso em dramaturgia.(Katstrophè). Eles o fizeram como ofício.
E isso não é para qualquer um. Mas para obstinados.
Entrevistei Pimentel na minha ex-coluna do Diário de Pernambuco há alguns anos.
Então não vou repetir o que lá escrevi dizendo que a primeira peça interessante que eu vi ao chegar em Recife foi Calígula, no Cine São Luis em 1979. Pimentel dizia que o texto era de Camus, mas e a encenação era dele, fazendo assim eco aos modernos diretores da Europa ou EEUU, não tão aceito por uma sociedade atrasada, bel letrista, que prestigiava os originais e o texto literário em detrimento da cena, no fundo pervertendo o que poderíamos chamar de texto teatral, cuja destinação final é  a cena e apenas a cena nunca sua leitura no conforto da poltrona. Estranho, não? Por isso Pimentel, raivoso com toda razão e inteligente, acrescentava: ‘me aguardem, vou abagunçar tudo!”.
Ou algo assim, que eu também- diferente dele- não tenho obrigação de citar palavras textuais de seu ninguém.
Também não me peçam para recriar a história do teatro pernambucano. Ela sempre me pareceu querer ser séria demais e bastante chata na maioria das vezes, não necessitando, pois, de mais um narrador que tente enfeitá-la, transformando-a em 700 páginas mais tediosas ainda.
Tivemos períodos de modernização [ Waldemar no início]; períodos de medievalização [Projeto Armorial da Ditadura]; períodos de romantização [ O Séraphin que criamos  era um filho amentado no romantismo]. E last not least, períodos de performatização seguidos de período de improvisação e de milhões de  outras estórias além das oficialmente narradas em obituários. E sejam lá quais forem, continuamos por aqui, ervas daninhas. Mas obituários não pensam assim. Pensam grande. Pensam errado.
Juro morro de medo de meu obituário.
Então escreví antecipadamente o que eu quero que digam.
Por favor,
digam que vocês me adoram.
Que vcs lamentam e choram a tal da minha ascensão.
E às pessoas que eu detesto, digam sempre que não presto, meu teatro: um folhetim.
e que eu arruinei o Recife,
que não mereci o tal cachê
que você não pagou para mim.

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