cala a boca, cara!

sábado, 29 de setembro de 2018



3 X PLÍNIO


michelotto locuto, causa infinita


Beckett odiava que se juntassem suas peças para se fazer tempo de espetáculo ou para se limpar as " partes ruins". Creio que todo autor dirá o mesmo.
Então porque fico citando Samuca B??
Porque de todas que escreveram para cena na modernidade, ele foi o maior.
É límpido
E essa é também uma assustadora qualidade de Plínio.
Ambos, com dois, três personagens conseguem colocar toda a humanidade em cena. Cacilda Becker dizia: "Você conhece 20 palavras e escreveu uma peça. É incrível!" 
Plínio nunca conheceu apenas 20 palavras, ele apenas era límpido. 
tem gente que não é. 
Como eu, ô inveja!

Beckett tem personagens-signos, com dupla face sempre. 
Por isso tantos nem têm exatamente nomes. E essa outra face é sempre o geral, a totalidade. Assim Winnie de Ò que belos dias, tem um lado Winnie, com sua pequena biografia. E tem um lado Winnie, com a biografia geral de todas as mulheres do mundo. Um lado totalitário. Para não dizer usar categorias como geral X particular, pois seríamos platônicos demais. E não burros de menos.
Em Vu,Ru e Flo são a infância malévola perdida e indefinidamente celebrada.
O pouco que sabemos de suas biografias, de suas particularidades nos vem pela fofoca maledicente entre elas. Talvez fosse a maneira de Samuel escapar da primeira face da personagem, a historinha óbvia que se está contando com eles.
Plínio faz exatamente o contrário.
Tranca suas personagens numa pequenina biografia e não abre de modo algum para generalidades. 
Você não irá ouvi-lo dizer: " toda bicha é assim". 
Ele dirá " você é assim!"

Claro temos dois pontos de apoio contrários nesses dois.
 Plínio é um bom samaritano,virtude de um espírita quase fervoroso.
Suas entrevistas nos chocam com  sua percepção da boa vontade humana. A única parte da humanidade com a qual ele não compactua, não tem dó e à qual deseja todo mal do mundo são os poderes constituidos.
Guerra particular de Beckett também.
Então em que diferem fundamentalmente?
Plínio, pela via religiosa, nos conduz a uma salvação ou maldição individual.
Essa destituição da personalidade é  a marca de seus viados, bandidos e todos seus abandonados a si próprios.  Suas personagens são 99% indivíduos da espécie humana e 1% pessoas .
Esclarecendo, pessoas em nosso texto  são os indivíduos postos em relação, seja de indivíduo para individuo seja de indivíduo para coletividades, coleções de indivíduos.

O atual revival de uma direita extremista em nossa política está polarizado num crente estribado na crendice cada dia mais crescente de nossa população.
Causado pelo crescimento da ignorância e de seu filhote, a religiosidade da esperança, a que vende a sua possibilidade de sair da merda aqui mesmo.
Esse foi o grande erro do catolicismo: nos oferecer a outra vida e não essa, contra o qual todo protestante- com alguma razão- tenta construir sua fé, esperança. Caridade, apenas com seus pastores.
Os crentes querem o deles aqui e agora.
Esta, a ética protestante tão badalada por  Max Weber.
Primogenitora, segundo ele, do capitalismo correto. E também das vertentes selvagem. esclavagista ou outras- já vimos acontecer pós- Weber.
Então se a chave da riqueza está no poder - democrático ou não- eles irão se exercitar acirradamente em pegá-la.
Estão com dúvida sobre em que buraco estamos nos metendo?
 O mesmo que proibiu todas as peças de Plínio.
Porque desesperançadas. 

Plínio na vida era o homem da crença no homem. 

Em texto, Plínio era o beco sem saida : " será que sou gente?"

1.     Como sua visão era individualista -pela religiosidade herdada- suas personagens, apesar de profundamente integradas num plano de opressão social não alcançavam um vôo maior, ficaram condenadas a si mesmas.
2.     E talvez seja o que mais nos choca: os indivíduos têm seu próprio inferno aqui e dentro deles e não conhecem recurso algum fora disso  que os  salve.
3.     Sartre localizaria o inferno no Outro. Plínio,em si.
4.     Então por que não colocamos Plínio ao lado de Samuel?
     Porque diferente do pessimismo sartriano ou de Plínio, Samuel não é moralista, apenas expõe, deixando o espectador tirar suas conclusões.
5.     E diferente de Plínio, suas personagens são solitárias mas não anti-sociais. Reconhecem todo o tempo que estão no meio de outras.Reconhecem o peso de uma existência exterior, duma sociedade que os molda.
6.     Quando o olhar da personagem de Beckett se volta para dentro, esse dentro nunca é a pequena kinoesfera corporal ou comportamental, como o faz Plínio.
7.     Seu eu sempre pertence a uma classe social ou a um segmento de classe ou uma categoria. Ban em Koá-Ú é sempre da categoria de torturador, dentro de um sistema social que inclui a tortura e seus aplicadores. 
    E assim, só assim, podemos situá-lo,  não como um monstro, mas um de nós.
8.     Ele é parte de um todo maior.
9.     Por isso o teatro de Plínio, por mais forte que seja será sempre um teatro de moral. Por mais que pareça se afastar disso. Tudo, a ação mais sem propósito, leva ao julgamento de correção: ou bondade ou maldade. Suas personagens se explicam ou exigem explicação; quando raciocinam, raciocinam dentro do padrão maniqueísta de Bem e Mal em luta.
10. Plínio não tem uma visão social laica. Tem um resto de religiosidade guardado lá no fundo. Tudo merece ou não salvação. 
      E ele sempre opta pelo seu público, por nós.  Não deixa espaço para a esperança além daquele concedido em sua cena. 
      Era um maniqueu convicto em cena.
11.  E quem somos nós para comentar essa posição de quem foi perseguido constantemente pelo Estado.
12. Mas fora do palco, reservou seu maniqueismo para o Estado. 
       Incapaz de sair da kinoesfera individualista, tratou pessoas como se fossem instituições, tendo sido capaz de embrulhar num mesmo saco Marx e Stalin, Hitler e Fidel Castro como representantes de estados totalitários. 
      Bem, todos levam o nome de socialistas, não é mesmo?    
13. O nosso, o estado totalitário em que Plínio viveu, não era socialista, nem comunista nem nada. 
      Era um golpe militar. 
      E ninguém sabe até hoje classificar isso a não ser como infâmia.
14.  Que o povo pegue em armas e derrube governos, faz parte da imagem de democracia ocidental.
15. Pois o povo é quem vive sempre e é quem deve mandar e não uns eleitos provisórios. Golpes de políticos, com o do PMDB em Dilma, ou de milicos como o de 64, 1889, já os tivemos desde a República:  são pura traição ao juramento de proteger nosso povo. 
      Deveriam terminar na forca e não no Palácio do Govêrno.
16. Por que os milicos o censuravam, se era quase um paladino da individualidade, base do sistema capitalista  como desejado pelas forças armadas e perfeitamente mal compreendido por eles?  
      A base do capitalismo é a desapropriação dos indivíduos de seus meios de produção. 
      É econômica e não ideológica ou moral ou religiosa.
17. Porque os milicos o censuraram já que ele, como eles, condenava Marx e Fidel e Hitler. (Bem , esse, eles nem tanto.)?
18. Porque eram burros. 
19.  Condenavam textos por "moral". 
       Falou em bicha um milico se treme todo. Cremos porque no fundo são de uma instituição historicamente avessa a mulheres, ficam ali se dando murros, enfim, ficam com medo da coisa pegar.
20. Plínio foi condenado por moral e não por rebeldia social ou política. 
      Assim também foram, Caetano e Gil. Porque ficaram falando na TV que um era a alminha do outro etc.  
      Assim nosso Jomard Muniz que ' pregava o amor livre em sala de aula.".
      Sou um testemunho ocular da história senhores, não brinco em serviço. 
      Eu estava lá no inquérito militar para defendê-lo e reintegrá-lo à universidade.
      Só Pedro Santos e eu ouvimos "as acusações' ridículas e moralistas. 
      O resto se acovardou mesmo estando nós já em 1978!!
21. Plínio refletiu sobre um sistema social injusto como o sistema prenunciava:  em vez de tratar das instituições, do sistema social, foi tratar das individualidades dentro do sistema. 
      Preocupou-se com bichas, pobres, bandidos.
22. Não tendo uma boa base de pensamento político, sofreu quase só, isolando-se na sua incapacidade de enfrentar por não compreender, o Estado, o sistema, o regime e o Outro.
23. Nessa posição intelectual de Plínio poderia haver salvação individual mas não política, da cidade, de todos. 
     Vamos chorar, nos comover e jamais nossas lágrimas atingirão lá em cima.  Esse, o Plínio terrorista.
24.  Mas quando tudo fica confuso, quando o horizonte de nossa cidadania se estreita, não é mal voltarmos a Plínio.
25. Como todo reformador, defendia as pessoas. 
      E talvez seja apenas esse o nosso bem maior. 
      Contanto que seja de todos.
26.Quando se fala Plínio, me desculpem, fica difícil se falar dos espetáculos, das encenações. Ele acaba vindo à tona e tomando o espaço todo
    Mas não posso deixar de falar em algo que sempre me assustou: o tom. As interpretações que vi ao longo de nossa história das peças de Plínio sempre foram em tom maior, muito alto, muito gritado, muito pouco burilado, quase selvageria. Quase me irritavam.
27. Acho hoje porém ao ver esse 3X PLÌNIO - na verdade não acho: creio firmemente- que é por causa de nossa brutalidade.
28.   Indivíduos oprimidos a única voz que se tem é a alta, esganiçada e forte.
29.  Pois aí a arte passa a se confundir com a vida.
30. "O autor de teatro tem que ter o que dizer e tem que ter urgência".  porque o autor de teatro fala para o homem de seu tempo.(Alfredo Mesquita). 
     Mas por outro lado- também tenho certeza-  há tempos em que urge um autor. Plínio será sempre um desses.
31. Enquanto formos a periferia do universo, enquanto nadarmos em regimes de excessão em que indubitavelmente os direitos humanos são a excessão, Plínio será uma voz a se ouvir.
32. Será sempre a nossa voz.




          FOI ESCRITO HOJE.
          E HOJE EU OUVI VOZES CADA VEZ MAIS  FORTES A GRITAR E ESGANIÇAR: 
          A DAS MULHERES NAS RUAS
         DESDE LISÍSTRATA 
ou a  GUERRA DOS SEXOS
 DE ARISTÓFANES 
         QUE NÃO SE VIA TAMANHO CLAMOR!.

Em tempo, para quem não lê grego:  
Lisístrata simplesmente convence as mulheres de Atenas e de Esparta
 a não mais dormirem com seus maridos, 
a menos que assinem um tratado de paz.

[ por favor não façam isso!!!]



                                                  https://www.youtube.com/watch?v=Qzy7WpjslG8&feature=youtu.be

NÚCLEO DE TEATRO DO SESC PETROLINA
informações:
thomgaliano1982@gmail.com
         

terça-feira, 18 de setembro de 2018

MARIA DE ARAUJO E O MILAGRE DO JUAZEIRO DO NORTE


JANEIRO DE GRANDES ESPETÁCULOS 2019
michelotto locuto, causa infiinita





Uma saletinha mixuruca.
Quase sem recursos de iluminação teatral  ou do que seja.
Um público estranho ao de Sta Isabel.
Um ator soberbamente aloprado correndo para lá e para cá 
num processo de quase possessão.
È bom não esquecer que  usei o mesmo termo “ prá lá e prá cá” 
a respeito de A podridão que há em nós. 
Só que  na Podridão é um recurso para  a cena não ficar monótona
 – uma vez que é  por trás, uma narrativa na primeira pessoa de um escritor. 
Primeira pessoa do singular não dá movimento cênico 
a não ser que  se tenha  um autor como Beckett..
E olhe lá que há quem consiga transformá-lo em chato, pesadão.

Em Maria Araujo  a movimentação 
é funcional, 
é correta,
 não  é para  corrigir um texto retilíneo,
mas para realçar o delírio de Maria. 
Tanto que  a certa altura nos pegamos dizendo 
vou morrer de tédio .
Para em seguida termos a virada 
e virmos saber que Maria era  uma beata, meio louca, negra e feia.. 
Que se achava noiva de Jesus. 
Que amava Jesus.
*
Não deixei de pensar naquele festivalzinho de  Garanhuns.  
O  pároco, o prefeito e por conseguinte os responsáveis pela cultura recifense
 que produz aquilo iriam vetar essa peça.
"Como assim representar beatas em nome de cristo 
e ainda por cima com um homem  se passando por mulher,ó Jesuis,  ó Cristo!!!"
- diriam.
José Francisco encenou  o mais contundente Auto da Compadecida 
que já apareceu nos palcos
e la foi Zé pro Mambembão 
com  uma quarta de farinha na matalutagem. 
 Ninguém mais sabe que coisa é o mambembão, 
mas também não vou explicar. 
Basta saber aqui que é coisa do tempo de Zé Francisco.
Enfim...
Servia para circular, levando pro Sull, nosso trabalho aqui. 
E eles no Sul dizerem que somos simples, singelos, num tom de quase desgosto.

Eu já lhes disse que simplicidade em teatro é tudo?
Mas não falei com o sotaque falsamente amigo e paternalmente bonachão do sul. 

Já disse em algum lugar que o tom é tudo?
Não confundir com os Tons reaças que andam por aí 
e finalmente um dia puderam mostra a cara que tinham sob a máscara arcangelical.

Só sei que ao presenciar Maria de Araujo 
não pude deixar de pensar em nossas idas ao sul para mostrar que somos mambembes, 
e nem pude deixar de pensar naquele festivalzinho aqui do nordeste
 que macaqueia miseravelmente o Sul 
e proibe peças " por falarem de Nosso Senhor Jesus Cristo Nosso Salvador etc...".

São uns merda .
Sabem porquê? Porque apesar de Jesus ser negro 
e lá pelos anos 50 isso ter dado o que falar
- e foi para escandalizar que Ariano criou assim o personagem-
o Festival de Garanhuns jamais proibiria uma montagem do Auto,
 que é uma peça claramente agnóstica e atéia.
O melhor dela, por sinal.
Mas o pior da merda foi que ele mesmo, Ariano, 
censurou 
e impediu  Zé de mostrar o Auto no Sul.
Bem, para o bem da verdade,era uma montagem cheia 
de caralhos dependurados nas pessoas
e aquela coisa toda de zombaria e deboche, 
coisa mais nordestina que toda a obra de Ariano. 
O curioso é que na mesmíssima peça, ele, autor, 
fala em enfiar moedas no cu de gatos...
O autor gostava de cús de gato mas não gostava de caralhos ! 
No NE, caralho não, mas zoofilia pode, né?
Cruzimcredo avemaria!
*


Sabem a diferença dessa  com  outras peças que vi invectivando Jesus 
e ai incluo a Paixão de Nova Jerusalém:?
O autor, o ator não estão nem aí.
Dão o recado da Maria.
 Falam por sua boca. 
Nos mostram sua grandeza e seu rastro numa história de homens
 que acreditam em Jesus,
 mas vivem distanciados d´Ele.
Maria Araujo, não. 
Ela se confundia com Ele
Então é uma peça que só pode ser uma celebração.
Uma peça todinha para João Denis. 
Pede uma montagem artaudiana.
Com perdão de Brecht, 
que amo e era esquerda como eu,
e de João que faz Brecht como se fosse Artaud, 
ai só um Artaud resolve.
*
Porque essa peça tem a beleza de um sermão da montanha dos pobres.
E como ficam gigantes esses meninos que escreveram, 
dirigiram, 
nos deram uma trilha sonora  de rara beleza e integração ao texto 
e nos iluminaram esplendorosamente com luz de velas.

A grandeza, senhores não está na eloquência, 
mas no tom justo.

Não sei como conseguem, mas conseguem.
O milagre de Maria Araujo são eles!

Recomendo.



MARIA DE ARAÚJO E O MILAGRE DE JUAZEIRO DO NORTE
 Trup Errante e Coletivo Passarinho
Link para vídeo do espetáculo:
https://www.youtube.com/watch?v=qfO4cdnuS7Y&feature

O MASCATE, A PÉ RAPADA E OS FORASTEIROS


                                                                michelotto locuto, causa infinita                                                   *



Há espetáculos que nos derrotam.
Estão entre limites de nossa adaptabilidade ao mundo.
Vou tentar explicar.
É bom se lembrar que espetáculo, vem de spectare+ o diminutivo “ulus”. Significa pois originalmente apenas uma olhadela de soslaio, palavra feíssima em português. Em inglês é “glance”, bem mais bonita- apesar de Suassuna- e ainda lembra glande, também bonita.É bom lembrar também um pouco de psicologia social via Google. Lá diz que uma pessoa valorizar o que é seu é muito bom.
E é claro que é!
Está assim explicado porque  todas tendências regionalistas em arte têm o apelo de nos encantar.
Porque são baseadas no Google!
 Nossa pátria, nossa região, nosso nordeste, nosso cuscús, nossos cús, nossa rabeca, nossa seleção de futebol, nossa companhiazinha de teatro nos comove o coração, todo esse pequeno mundo que nos cerca e acalenta tem também algumas desvantagens.
Uma delas é que muitos pseudo-intelectuais se aproveitam dessa nossa fraqueza emocional endêmica para nos fazer engolir coisas muito ruins mas que estão revestidas com o manto do sotaque, da musiquinha instrumental, da sagacidade rurbana. E assim, acobertados por esta pelagem de cordeiros de nosso rebanho, vão ocupando cargos públicos pra todo lado, alimentando-se, famigerados, de nossas parcas verbas para manutenção de nossa cultura e de nossa região e de nossa pátria e de nossa alma.
Todos conhecem de sobejo as pessoas, as famílias , os arraes, os melo, os monteiros, os freyre, as instituições , governos de Pe, fundarpes e outras pinóias que se perpetuam ervas daninhas por aqui, usando o falso sotaque do regional.
Esse regionalismo de mentes e fachada nos serviu para manter ilhados, afastados de muitos continentes.
Daí nossa dificuldade, aqui, de falar sobre determinadas peças ou determinados movimentos culturais.
Ficaram fora de nossa estreitíssima visão regional, que só consegue alcançar os montes Guararapes e suas batalhas cobertas de glória.E sangue, muito sangue..
A peça que vi me fez pensar em tudo isso. Pensar ao ter dificuldade de classificá-la.
Ela tem mais música que muito musical, mais dança que muita dança, mais performance que muita performance, mais safadeza  que muito Barreto Junior, mais crítica social que muito discurso de candidato ou papo de nossa esquerda regional, mais criatividade que o nosso papa, o Angu.
Mas enfim ela é uma peça e não um tratado sócio-econômico regionalista verbete mau escrito da Itaú Cultural.
Então há o que se falar sobre. E talvez até muito.
Pois ela versa sobre nossa capacidade de contar nossa história. Em seu centro está, portanto tudo o que falei acima, porém dito com mais verve. Não foi divagação para encher de texto meu tempo com você leitor.
E esse, a construção do texto, é sem dúvida o maior problema que nós enfrentamos hoje em dia, tanto no teatro como no Congresso Nacional.
Nós e os anjos.
Por serem ruins de leitura os anjos da cara virada erraram o endereço e  queimaram o museu  e não o congresso NACIIONAL!
A história de nossas misérias foi pensada ao modo bufão. E isso é um filão que pode ainda render muito ao espetáculo.Também porque esse ator é muito bom. E um bufão tem  que ser muito bom.
Passemos à literatura.
Olinda é uma dama uó, Recife um macho retado que não pode ver Olinda sem se encaixar. Ligeiro erro de glance do autor sobre  nosso macho Recife que, graças a deus, não é nem de longe chegado nisso. O Holandês, um produtor cultural ávido de ficar com tudo e bom só de papo.
Enfim, todos etceteras da peça muito bem achados- bene trovatto.
Agora vou dar minha lição.
Minha Aula Magna que a Ufpe me negou.
Se eu tivese ficado na Sorbonne em 1972 essa aula seria na École de France isso sim. Mas ai minha história pessoal seria diferente e eu não teria tido a chance de seguir o JGE de 2019 .
Uma lástima e uma falha em minha cultura um tanto vastíssima.
Acreditem, não troco essa aula para vocês por nenhuma que dei na Sorbonne ao lado de Barthes.
Não só para um grupo, porque não tenho tempo nem paciência para me limitar a dar aulas para um grupo do teatro pernambucano. Sou maior, sou genial, dou aulas para o mundo.
Tenho sotaque pernambucano também.
Vamos lá.
Barthes ne ensinou que TEXTO não é aquela coisa cheia de letrinhas em fila de formiga numa folha de papel.
“Texto é como uma renda de bilros de Passira em Pernambuco”- dizia ele e adaptava eu.
“Deixa essa noção velha e burra para o pessoal dos departamentos de Letras das universidades brasileiras”- disse-me Barthes , também textualmente.
Um espetáculo DEVE ser considerado como uma maravilhosa colcha. Conhecem as, antigas, de retalho? Isso! Estão agora nos entendendo.
O trabalho em teatro é aquela parte em que se tece.
O espetáculo é apenas aquela parte em que se dá a ver a obra, como numa piscadela. O que se faz por debaixo das colchas é mistério e segredo. E muito mais.
Como ver Mascates sob essa ótica ?
O crítico do JGE é apenas o que tem a chance de piscar muitas vêzes
 Porque tenho um video e passo e repasso e vou e volto
 Então podemos de algum modo- se não formos estritamente obtusos-
presenciar os fios, a urdidura e os nós de cada trama.
As urdidura desse espetáculo:
1-      escolha da nossa história.
2-      sob a ótica do bufão, isso é, inconveniente em sua verdade.
3-      espaço cênico, “cenário” kinesfera de atuação  funcional, mágico, sobe , desce, gira, esconde coisas, tem possibilidade de se transfigurar em outros espaços, é birô de âncora de noticiário, é nau, é a cidade de recife é muita coisa mesmo, sobretudo e portanto é admirável. O que nos foi apresentado dava pano para 10 outras colchas, de tão inventivo que é. Podem acabar virando muletas da atuação.
4-      o ator é o que em última análise  é o único responsável  pelo espetáculo, porque a colcha é montada por sobre seu corpo, seu corpo é aquela almofada  cheia de bicos onde se prendem as linhas para o transado e os nós. Quem nos re-presenta é um grande ator. Versátil. Á vontade. Nos faz respirar o texto barthesiano. Dá tempo ao riso. Só não dá tempo à história, ao enredo, à trama do todo, porque isso infelizmente é o que se atribui a  um diretor do século XIX e é o que está visivelmente atrapalhando a todos, aos nós, a nós, ator e público.
Esse é meu gancho para falarmos dessa figura horrenda chamada diretores.
5-      A direção nunca deveria existir já que não estamos mais no tempo inicial do Tap ou do TEP, temos hoje em dia atores que sabem ler, sabem cantar, sabem dançar e principalmente, que PENSAM. Ou não?  Ora, tecer teatro não é só juntar todos os fios disponíveis, texto literário, atores, cenário, figurino e nem vou repetir a ficha técnica.
É dar nós, tramar, tudo isso.
E como tudo isso se chama teatro, toda trama está em relação a um público presente e não a um indivíduo leitor, como um romance.  E é por isso que dependemos de ritmo. O ritmo é a respiração conjunta entre atores e seu público. O que significa que está permitido aos atores pular trechos enormes de sua apresentação- sua estadia diante de seu público- caso perceba que está tirando o ar, sufocando, cansando ou levando a dormir o outro elemento básico da existência de uma ação teatral.
O presente espetáculo arrasta algumas vezes o ritmo.
Creio que basicamente por causa da causa maior de nossos males: um texto literário pouco trabalhado, pouco burilado, pouco aquilo que um Shakespeare fazia.
Se me entenderam até aqui,
o texto literário é apenas um fio de tudo o que se queira chamar de texto pós -Barthes.
Se me entenderam bem
o trabalho do ator e diretores e ficha técnica é o de dar nós nisso tudo.
Se me entenderam bem,
uma colcha não nos esquenta mais por ser enorme, mas pode ser espessa.
1 minuto de um bom teatro irá nos esquentar mais que uma hora de sermão.
E nos fará passar uma eternidade, respirando juntos.
Beckett quem o disse ao escrever Sopro, peça de uma só respiração gigantesca.
6-      O texto literário, ou a falação, também chamado impropriamente de dramaturgia, não é linha 10, forte. É fraquinha e ameaça toda hora romper o espetáculo, desviar nosso olhar apaixonado. Pois queiramos ou não, a falação ainda é a marca primordial de nossos espetáculos.
Quando a retiramos, como Samuel Beckett o fez em sua dramaturgia e mudou para sempre o alcance de nossa cega visão teatral  dezenovecentista, quando a retiramos muitos ainda se sentem órfãos como se tivessem perdido algo essencial como pai e mãe. Ora, já diz meu Google, pais nunca foram essenciais, apenas acidentes na  vida de um mamífero.
E por último,
mas não por fim, já que toda minha falácia está inscrito no JGE, afirmo que devíamos ter verbas não só para apresentação das colchas, como para discussão de nossa técnica de tecer atual e de suas mudanças. Não, não é aquela coisa de nome inglês.
O que peço não é mais dinheiro para workshop não.
Workshop é bom mas contempla partes, pequeninas técnicas pessoais aqui e ali, micro-gurus do micro, paninhos de cozinha que também têm sua utilidade. Temos que pensar grande.
Temos que ter dinheiro para nos reunirmos maciçamente e mudarmos todos os termos, gramáticas e sintaxes antigas que nos regem e nos atrapalham e todos espaços velhos dessa cidade onde qualquer chama de um entusiasmo pode criar incêndios desproporcionais e nos transformar em cinzas.
Marx já dizia a respeito, os mortos governam os vivos.
Que nossa única chance de nos governarmos não seja a de antes sermos torrados vivos dentro do Sta. Isabel ou algum desses caros e velhos casarões alternativos. Estamos sempre lutando para não, mas em verdade sendo governados por teorias, ótica e visão estreita do século XIX, um romantismo sem glamour porque fora de sua época.
Epokè, é o momento em que fazemos história.
Já passou da hora de pegarmos a nossa na mão e sair caminhando e cantando.
Por favor, sigamos a canção.
E eu nem gostei tanto do espetáculo.
Imaginem se eu tivesse gostado!!!
Indico e recomendo.


O Mascate, a pé rapada e os Forasteiros (Cia. De Teatro Cínicas com Objetos/ Recife – PE)
Texto e Atuação: Diógenes D. Lima
Supervisão Artística: Marcondes Lima e Jaime Santos
Coreografias: Jorge Kildery
Adereços: Triell Andrade e Bernardo Júnior
Iluminação: Jathyles Miranda
Execução de Iluminação: Rodrigo Oliveira
Execução de sonoplastia: Júnior Melo
Programação Visual: Arthur Canavarro
Fotografia: Ítalo lima, Toni Rodrigues, Sayonara Freire e Sócrates Guedes
Cenotécnico: Gustavo Oliveira
Assessoria de impressa: Cleyton Cabral
Gerente de Produção: Luciana Barbosa
Gênero: Comédia
Duração: 60 mim
Classificação etária: 16 anos