3 X PLÍNIO
michelotto locuto, causa infinita
Beckett odiava que se juntassem suas
peças para se fazer tempo de espetáculo ou para se limpar as " partes
ruins". Creio que todo autor dirá o mesmo.
Então porque fico citando Samuca B??
Porque de todas que escreveram para cena
na modernidade, ele foi o maior.
É límpido
E essa é também uma assustadora
qualidade de Plínio.
Ambos, com dois, três personagens
conseguem colocar toda a humanidade em cena. Cacilda Becker dizia: "Você
conhece 20 palavras e escreveu uma peça. É incrível!"
Plínio nunca conheceu apenas 20 palavras, ele apenas era límpido.
tem gente que não é.
Como eu, ô inveja!
Beckett tem personagens-signos, com
dupla face sempre.
Por isso tantos nem têm exatamente nomes. E essa outra face
é sempre o geral, a totalidade. Assim Winnie
de Ò que belos dias, tem um lado Winnie, com sua pequena biografia. E tem
um lado Winnie, com a biografia geral
de todas as mulheres do mundo. Um lado totalitário. Para não dizer usar
categorias como geral X particular, pois seríamos platônicos demais. E não
burros de menos.
Em Vu,Ru
e Flo são a infância malévola perdida e indefinidamente celebrada.
O pouco que sabemos de suas biografias,
de suas particularidades nos vem pela fofoca maledicente entre elas. Talvez fosse a maneira de Samuel
escapar da primeira face da personagem, a historinha óbvia que se está contando
com eles.
Plínio faz exatamente o contrário.
Tranca suas personagens numa pequenina
biografia e não abre de modo algum para generalidades.
Você não irá ouvi-lo
dizer: " toda bicha é assim".
Ele dirá " você é assim!"
Claro temos dois pontos de apoio
contrários nesses dois.
Suas entrevistas nos chocam com sua percepção da boa vontade humana. A única
parte da humanidade com a qual ele não compactua, não tem dó e à qual deseja
todo mal do mundo são os poderes constituidos.
Guerra particular de Beckett também.
Então em que diferem fundamentalmente?
Plínio, pela via religiosa, nos conduz
a uma salvação ou maldição individual.
Essa destituição da personalidade
é a marca de seus viados, bandidos e
todos seus abandonados a si próprios.
Suas personagens são 99% indivíduos da espécie humana e 1% pessoas .
Esclarecendo, pessoas em nosso
texto são os indivíduos postos em
relação, seja de indivíduo para individuo seja de indivíduo para coletividades,
coleções de indivíduos.
O atual revival de uma direita
extremista em nossa política está polarizado num crente estribado na crendice
cada dia mais crescente de nossa população.
Causado pelo crescimento da ignorância
e de seu filhote, a religiosidade da esperança, a que vende a sua possibilidade
de sair da merda aqui mesmo.
Esse foi o grande erro do catolicismo:
nos oferecer a outra vida e não essa, contra o qual todo protestante- com
alguma razão- tenta construir sua fé, esperança. Caridade, apenas com seus
pastores.
Os crentes querem o deles aqui e agora.
Esta, a ética protestante tão badalada
por Max Weber.
Primogenitora, segundo ele, do
capitalismo correto. E também das vertentes selvagem. esclavagista ou outras-
já vimos acontecer pós- Weber.
Então se a chave da riqueza está no poder
- democrático ou não- eles irão se exercitar acirradamente em pegá-la.
Estão com dúvida sobre em que buraco
estamos nos metendo?
Porque desesperançadas.
Plínio na vida era o homem da crença no homem.
Em texto, Plínio era o beco sem
saida : " será que sou gente?"
1. Como sua visão era individualista -pela
religiosidade herdada- suas personagens, apesar de profundamente integradas num
plano de opressão social não alcançavam um vôo maior, ficaram condenadas a si
mesmas.
2. E talvez seja o que mais nos choca: os
indivíduos têm seu próprio inferno aqui e dentro deles e não conhecem recurso
algum fora disso que os salve.
3. Sartre localizaria o inferno no Outro.
Plínio,em si.
4. Então por que não colocamos Plínio ao
lado de Samuel?
Porque diferente do pessimismo sartriano ou de Plínio, Samuel
não é moralista, apenas expõe, deixando o espectador tirar suas
conclusões.
5. E diferente de Plínio, suas personagens
são solitárias mas não anti-sociais. Reconhecem todo o tempo que estão no meio
de outras.Reconhecem o peso de uma existência exterior, duma sociedade que os
molda.
6. Quando o olhar da personagem de Beckett
se volta para dentro, esse dentro nunca é a pequena kinoesfera corporal ou
comportamental, como o faz Plínio.
7. Seu eu sempre pertence a uma classe
social ou a um segmento de classe ou uma categoria. Ban em Koá-Ú é sempre da
categoria de torturador, dentro de um sistema social que inclui a tortura e
seus aplicadores.
E assim, só assim, podemos situá-lo, não como um monstro, mas um de nós.
8. Ele é parte de um todo maior.
9.
Por isso o teatro de Plínio, por mais forte que seja será
sempre um teatro de moral. Por mais que pareça se afastar disso. Tudo, a ação
mais sem propósito, leva ao julgamento de correção: ou bondade ou maldade. Suas
personagens se explicam ou exigem explicação; quando raciocinam, raciocinam
dentro do padrão maniqueísta de Bem e Mal em luta.
10.
Plínio não tem uma visão social laica. Tem um resto de
religiosidade guardado lá no fundo. Tudo merece ou não salvação.
E ele sempre
opta pelo seu público, por nós. Não
deixa espaço para a esperança além daquele concedido em sua cena.
Era um
maniqueu convicto em cena.
11.
E quem somos nós para
comentar essa posição de quem foi perseguido constantemente pelo Estado.
12.
Mas fora do palco, reservou seu maniqueismo para o Estado.
Incapaz de sair da kinoesfera individualista, tratou pessoas como se fossem
instituições, tendo sido capaz de embrulhar num mesmo saco Marx e Stalin,
Hitler e Fidel Castro como representantes de estados totalitários.
Bem, todos
levam o nome de socialistas, não é mesmo?
13.
O nosso, o estado totalitário em que Plínio viveu, não era
socialista, nem comunista nem nada.
Era um golpe militar.
E ninguém sabe até
hoje classificar isso a não ser como infâmia.
14.
Que o povo pegue em
armas e derrube governos, faz parte da imagem de democracia ocidental.
15.
Pois o povo é quem vive sempre e é quem deve mandar e não
uns eleitos provisórios. Golpes de políticos, com o do PMDB em Dilma, ou de
milicos como o de 64, 1889, já os tivemos desde a República: são pura traição ao juramento de proteger
nosso povo.
Deveriam terminar na forca e não no Palácio do Govêrno.
16.
Por que os milicos o censuravam, se era quase um paladino da
individualidade, base do sistema capitalista
como desejado pelas forças armadas e perfeitamente mal compreendido por
eles?
A base do capitalismo é a
desapropriação dos indivíduos de seus meios de produção.
É econômica e não ideológica
ou moral ou religiosa.
17.
Porque os milicos o censuraram já que ele, como eles, condenava
Marx e Fidel e Hitler. (Bem , esse, eles nem tanto.)?
18.
Porque eram burros.
19.
Condenavam textos por
"moral".
Falou em bicha um milico se treme todo. Cremos porque no
fundo são de uma instituição historicamente avessa a mulheres, ficam ali se
dando murros, enfim, ficam com medo da coisa pegar.
20.
Plínio foi condenado por moral e não por rebeldia social ou
política.
Assim também foram, Caetano e Gil. Porque ficaram falando na TV que
um era a alminha do outro etc.
Assim
nosso Jomard Muniz que ' pregava o amor
livre em sala de aula.".
Sou um testemunho ocular da história senhores, não
brinco em serviço.
Eu estava lá no inquérito militar para defendê-lo e
reintegrá-lo à universidade.
Só Pedro Santos e eu ouvimos "as acusações' ridículas e moralistas.
O resto se acovardou mesmo estando nós já em 1978!!
21.
Plínio refletiu sobre um sistema social injusto como o
sistema prenunciava: em vez de tratar
das instituições, do sistema social, foi tratar das individualidades dentro do
sistema.
Preocupou-se com bichas, pobres, bandidos.
22.
Não tendo uma boa base de pensamento político, sofreu quase
só, isolando-se na sua incapacidade de enfrentar por não compreender, o Estado,
o sistema, o regime e o Outro.
23. Nessa posição intelectual de Plínio
poderia haver salvação individual mas não política, da cidade, de todos.
Vamos
chorar, nos comover e jamais nossas lágrimas atingirão lá em cima. Esse, o Plínio
terrorista.
24. Mas quando tudo fica confuso, quando
o horizonte de nossa cidadania se estreita, não é mal voltarmos a Plínio.
25. Como todo reformador, defendia as
pessoas.
E talvez seja apenas esse o nosso bem maior.
Contanto que seja de
todos.
26.Quando se fala Plínio, me desculpem, fica difícil se falar dos espetáculos, das encenações. Ele acaba vindo à tona e tomando o espaço todo
Mas não posso deixar de falar em algo que sempre me assustou: o tom. As interpretações que vi ao longo de
nossa história das peças de Plínio sempre foram em tom maior, muito alto, muito
gritado, muito pouco burilado, quase selvageria. Quase me irritavam.
27. Acho hoje porém ao ver esse 3X PLÌNIO - na verdade não acho: creio firmemente- que
é por causa de nossa brutalidade.
28. Indivíduos oprimidos a única voz que se tem é
a alta, esganiçada e forte.
29. Pois aí a arte passa a se confundir com a vida.
30. "O autor de teatro tem que ter o
que dizer e tem que ter urgência".
porque o autor de teatro fala para o homem de seu tempo.(Alfredo
Mesquita).
Mas por outro lado- também tenho certeza- há tempos em que urge um autor. Plínio será
sempre um desses.
31. Enquanto formos a periferia do
universo, enquanto nadarmos em regimes de excessão em que indubitavelmente os
direitos humanos são a excessão, Plínio será uma voz a se ouvir.
32. Será sempre a nossa voz.
FOI ESCRITO HOJE.
E HOJE EU OUVI VOZES CADA VEZ MAIS FORTES A GRITAR E ESGANIÇAR:
A DAS MULHERES NAS RUAS
DESDE LISÍSTRATA
ou a GUERRA DOS SEXOS
DE ARISTÓFANES
ou a GUERRA DOS SEXOS
DE ARISTÓFANES
QUE NÃO SE VIA TAMANHO CLAMOR!.
Em tempo, para quem não lê grego:
Lisístrata simplesmente convence as mulheres de Atenas e de Esparta
a não mais dormirem com seus maridos,
a menos que assinem um tratado de paz.
Em tempo, para quem não lê grego:
Lisístrata simplesmente convence as mulheres de Atenas e de Esparta
a não mais dormirem com seus maridos,
a menos que assinem um tratado de paz.
[ por favor não façam isso!!!]
https://www.youtube.com/watch?v=Qzy7WpjslG8&feature=youtu.be
NÚCLEO DE TEATRO DO SESC PETROLINA
informações:
thomgaliano1982@gmail.com