cala a boca, cara!

sábado, 29 de setembro de 2018



3 X PLÍNIO


michelotto locuto, causa infinita


Beckett odiava que se juntassem suas peças para se fazer tempo de espetáculo ou para se limpar as " partes ruins". Creio que todo autor dirá o mesmo.
Então porque fico citando Samuca B??
Porque de todas que escreveram para cena na modernidade, ele foi o maior.
É límpido
E essa é também uma assustadora qualidade de Plínio.
Ambos, com dois, três personagens conseguem colocar toda a humanidade em cena. Cacilda Becker dizia: "Você conhece 20 palavras e escreveu uma peça. É incrível!" 
Plínio nunca conheceu apenas 20 palavras, ele apenas era límpido. 
tem gente que não é. 
Como eu, ô inveja!

Beckett tem personagens-signos, com dupla face sempre. 
Por isso tantos nem têm exatamente nomes. E essa outra face é sempre o geral, a totalidade. Assim Winnie de Ò que belos dias, tem um lado Winnie, com sua pequena biografia. E tem um lado Winnie, com a biografia geral de todas as mulheres do mundo. Um lado totalitário. Para não dizer usar categorias como geral X particular, pois seríamos platônicos demais. E não burros de menos.
Em Vu,Ru e Flo são a infância malévola perdida e indefinidamente celebrada.
O pouco que sabemos de suas biografias, de suas particularidades nos vem pela fofoca maledicente entre elas. Talvez fosse a maneira de Samuel escapar da primeira face da personagem, a historinha óbvia que se está contando com eles.
Plínio faz exatamente o contrário.
Tranca suas personagens numa pequenina biografia e não abre de modo algum para generalidades. 
Você não irá ouvi-lo dizer: " toda bicha é assim". 
Ele dirá " você é assim!"

Claro temos dois pontos de apoio contrários nesses dois.
 Plínio é um bom samaritano,virtude de um espírita quase fervoroso.
Suas entrevistas nos chocam com  sua percepção da boa vontade humana. A única parte da humanidade com a qual ele não compactua, não tem dó e à qual deseja todo mal do mundo são os poderes constituidos.
Guerra particular de Beckett também.
Então em que diferem fundamentalmente?
Plínio, pela via religiosa, nos conduz a uma salvação ou maldição individual.
Essa destituição da personalidade é  a marca de seus viados, bandidos e todos seus abandonados a si próprios.  Suas personagens são 99% indivíduos da espécie humana e 1% pessoas .
Esclarecendo, pessoas em nosso texto  são os indivíduos postos em relação, seja de indivíduo para individuo seja de indivíduo para coletividades, coleções de indivíduos.

O atual revival de uma direita extremista em nossa política está polarizado num crente estribado na crendice cada dia mais crescente de nossa população.
Causado pelo crescimento da ignorância e de seu filhote, a religiosidade da esperança, a que vende a sua possibilidade de sair da merda aqui mesmo.
Esse foi o grande erro do catolicismo: nos oferecer a outra vida e não essa, contra o qual todo protestante- com alguma razão- tenta construir sua fé, esperança. Caridade, apenas com seus pastores.
Os crentes querem o deles aqui e agora.
Esta, a ética protestante tão badalada por  Max Weber.
Primogenitora, segundo ele, do capitalismo correto. E também das vertentes selvagem. esclavagista ou outras- já vimos acontecer pós- Weber.
Então se a chave da riqueza está no poder - democrático ou não- eles irão se exercitar acirradamente em pegá-la.
Estão com dúvida sobre em que buraco estamos nos metendo?
 O mesmo que proibiu todas as peças de Plínio.
Porque desesperançadas. 

Plínio na vida era o homem da crença no homem. 

Em texto, Plínio era o beco sem saida : " será que sou gente?"

1.     Como sua visão era individualista -pela religiosidade herdada- suas personagens, apesar de profundamente integradas num plano de opressão social não alcançavam um vôo maior, ficaram condenadas a si mesmas.
2.     E talvez seja o que mais nos choca: os indivíduos têm seu próprio inferno aqui e dentro deles e não conhecem recurso algum fora disso  que os  salve.
3.     Sartre localizaria o inferno no Outro. Plínio,em si.
4.     Então por que não colocamos Plínio ao lado de Samuel?
     Porque diferente do pessimismo sartriano ou de Plínio, Samuel não é moralista, apenas expõe, deixando o espectador tirar suas conclusões.
5.     E diferente de Plínio, suas personagens são solitárias mas não anti-sociais. Reconhecem todo o tempo que estão no meio de outras.Reconhecem o peso de uma existência exterior, duma sociedade que os molda.
6.     Quando o olhar da personagem de Beckett se volta para dentro, esse dentro nunca é a pequena kinoesfera corporal ou comportamental, como o faz Plínio.
7.     Seu eu sempre pertence a uma classe social ou a um segmento de classe ou uma categoria. Ban em Koá-Ú é sempre da categoria de torturador, dentro de um sistema social que inclui a tortura e seus aplicadores. 
    E assim, só assim, podemos situá-lo,  não como um monstro, mas um de nós.
8.     Ele é parte de um todo maior.
9.     Por isso o teatro de Plínio, por mais forte que seja será sempre um teatro de moral. Por mais que pareça se afastar disso. Tudo, a ação mais sem propósito, leva ao julgamento de correção: ou bondade ou maldade. Suas personagens se explicam ou exigem explicação; quando raciocinam, raciocinam dentro do padrão maniqueísta de Bem e Mal em luta.
10. Plínio não tem uma visão social laica. Tem um resto de religiosidade guardado lá no fundo. Tudo merece ou não salvação. 
      E ele sempre opta pelo seu público, por nós.  Não deixa espaço para a esperança além daquele concedido em sua cena. 
      Era um maniqueu convicto em cena.
11.  E quem somos nós para comentar essa posição de quem foi perseguido constantemente pelo Estado.
12. Mas fora do palco, reservou seu maniqueismo para o Estado. 
       Incapaz de sair da kinoesfera individualista, tratou pessoas como se fossem instituições, tendo sido capaz de embrulhar num mesmo saco Marx e Stalin, Hitler e Fidel Castro como representantes de estados totalitários. 
      Bem, todos levam o nome de socialistas, não é mesmo?    
13. O nosso, o estado totalitário em que Plínio viveu, não era socialista, nem comunista nem nada. 
      Era um golpe militar. 
      E ninguém sabe até hoje classificar isso a não ser como infâmia.
14.  Que o povo pegue em armas e derrube governos, faz parte da imagem de democracia ocidental.
15. Pois o povo é quem vive sempre e é quem deve mandar e não uns eleitos provisórios. Golpes de políticos, com o do PMDB em Dilma, ou de milicos como o de 64, 1889, já os tivemos desde a República:  são pura traição ao juramento de proteger nosso povo. 
      Deveriam terminar na forca e não no Palácio do Govêrno.
16. Por que os milicos o censuravam, se era quase um paladino da individualidade, base do sistema capitalista  como desejado pelas forças armadas e perfeitamente mal compreendido por eles?  
      A base do capitalismo é a desapropriação dos indivíduos de seus meios de produção. 
      É econômica e não ideológica ou moral ou religiosa.
17. Porque os milicos o censuraram já que ele, como eles, condenava Marx e Fidel e Hitler. (Bem , esse, eles nem tanto.)?
18. Porque eram burros. 
19.  Condenavam textos por "moral". 
       Falou em bicha um milico se treme todo. Cremos porque no fundo são de uma instituição historicamente avessa a mulheres, ficam ali se dando murros, enfim, ficam com medo da coisa pegar.
20. Plínio foi condenado por moral e não por rebeldia social ou política. 
      Assim também foram, Caetano e Gil. Porque ficaram falando na TV que um era a alminha do outro etc.  
      Assim nosso Jomard Muniz que ' pregava o amor livre em sala de aula.".
      Sou um testemunho ocular da história senhores, não brinco em serviço. 
      Eu estava lá no inquérito militar para defendê-lo e reintegrá-lo à universidade.
      Só Pedro Santos e eu ouvimos "as acusações' ridículas e moralistas. 
      O resto se acovardou mesmo estando nós já em 1978!!
21. Plínio refletiu sobre um sistema social injusto como o sistema prenunciava:  em vez de tratar das instituições, do sistema social, foi tratar das individualidades dentro do sistema. 
      Preocupou-se com bichas, pobres, bandidos.
22. Não tendo uma boa base de pensamento político, sofreu quase só, isolando-se na sua incapacidade de enfrentar por não compreender, o Estado, o sistema, o regime e o Outro.
23. Nessa posição intelectual de Plínio poderia haver salvação individual mas não política, da cidade, de todos. 
     Vamos chorar, nos comover e jamais nossas lágrimas atingirão lá em cima.  Esse, o Plínio terrorista.
24.  Mas quando tudo fica confuso, quando o horizonte de nossa cidadania se estreita, não é mal voltarmos a Plínio.
25. Como todo reformador, defendia as pessoas. 
      E talvez seja apenas esse o nosso bem maior. 
      Contanto que seja de todos.
26.Quando se fala Plínio, me desculpem, fica difícil se falar dos espetáculos, das encenações. Ele acaba vindo à tona e tomando o espaço todo
    Mas não posso deixar de falar em algo que sempre me assustou: o tom. As interpretações que vi ao longo de nossa história das peças de Plínio sempre foram em tom maior, muito alto, muito gritado, muito pouco burilado, quase selvageria. Quase me irritavam.
27. Acho hoje porém ao ver esse 3X PLÌNIO - na verdade não acho: creio firmemente- que é por causa de nossa brutalidade.
28.   Indivíduos oprimidos a única voz que se tem é a alta, esganiçada e forte.
29.  Pois aí a arte passa a se confundir com a vida.
30. "O autor de teatro tem que ter o que dizer e tem que ter urgência".  porque o autor de teatro fala para o homem de seu tempo.(Alfredo Mesquita). 
     Mas por outro lado- também tenho certeza-  há tempos em que urge um autor. Plínio será sempre um desses.
31. Enquanto formos a periferia do universo, enquanto nadarmos em regimes de excessão em que indubitavelmente os direitos humanos são a excessão, Plínio será uma voz a se ouvir.
32. Será sempre a nossa voz.




          FOI ESCRITO HOJE.
          E HOJE EU OUVI VOZES CADA VEZ MAIS  FORTES A GRITAR E ESGANIÇAR: 
          A DAS MULHERES NAS RUAS
         DESDE LISÍSTRATA 
ou a  GUERRA DOS SEXOS
 DE ARISTÓFANES 
         QUE NÃO SE VIA TAMANHO CLAMOR!.

Em tempo, para quem não lê grego:  
Lisístrata simplesmente convence as mulheres de Atenas e de Esparta
 a não mais dormirem com seus maridos, 
a menos que assinem um tratado de paz.

[ por favor não façam isso!!!]



                                                  https://www.youtube.com/watch?v=Qzy7WpjslG8&feature=youtu.be

NÚCLEO DE TEATRO DO SESC PETROLINA
informações:
thomgaliano1982@gmail.com
         

Nenhum comentário:

Postar um comentário