cala a boca, cara!

terça-feira, 18 de setembro de 2018

Ganga, Meu Ganga, o Rei



JANEIRO DE GRANDES ESPETÁCULOS 2018 

michelotto locuto, causa infinita.


Confesso minha dificuldade em acompanhar qualquer teatro 
que tenha algum fundo de alguma religião.
A Idade Media já fez isso o bastante. 
E como era péssima a Idade Média.
Mais dificuldade ainda se for religião própria de alguma etnia que não seja a minha, branca. E quando se volta às raízes, tenho mais dificuldade ainda de entender qual raciocínio permite se pensar em onde se pretende chegar por se saber de onde se saiu. A história passada só sabe se repetir.
E como dizia Marx, duas vezes, a segunda como farsa.
                                     Permitam-me colocar porque me sinto mal com tudo isso.                                      
Primeiro,
 porque a minha ex-religião, católica, há muito foi banida para o lixo dos pesadelos ruins da humanidade por sua incansável história de assassinatos, genocídios, perversões sexuais de sua hierarquia celibatária à força e outras incontáveis desgraças que geraram aquilo que chamamos hoje de Ocidente branco e que nem dá tempo de contar de tanta ruindade.
Segundo,
porque sua vertente de protesto iniciou pretendendo voltar às raízes, com Lutero e suas 9 teses sobre a graça, a que em grego se chama Raris, mais próximo da graça que sentimos quando nos contam uma piada inteligente. É um estado de aceitação da felicidade.
Se você quiser entender de origem, pense em Graça Araujo e você fazendo isso me dá a chance de prestar minha homenagem a essa que se foi também há pouco, ela agora inverno em nossas esperanças. Muitas meninas se chamaram graça, por esse dom da simpatia colante, constante, transbordante. Tantos dantes sem nenhum inferno. 
O inferno católico era a simonia , a venda de indulgências. 
Hoje só vemos aqueles que se autonomeiam pastores, correrem atrás do ouro vil, vendendo bençãos e milagres adquiridos num copo de simples água de torneira movida pelas mãos dos anjos de Betsaida. Lá o anjo de deus movia as águas grátis e apenas uma vez por ano e não toda segunda-feira do milagre como quer a Universal.
Terceiro,
 porque a religião branca, protestante, hoje é descendente da ética protestante de Weber, mamãe do capitalismo, portanto. Por ironia, que História é apenas uma ironia- a ética protestante acabou se confundindo com aquela contra a qual Lutero, com razão e inteligência protestou. Tornou-se a religião de meros produtores de quinquilharias. Vendem milagres, vendem a salvação através de passeatas anti-aborto, anti-homossexuais, anti-sexo que não por buraco em lençol, vendem políticas e democracias anti-democráticas e  anti-polis, a cidade grega que deu origem a esse hoje pesadelo. 
“Ô michelottocalaessasuaboca! Para que voltar para tão longe
 se estamos falando de Maracatu, de Iansã ( êparrei!) e da luta negra contra ....”
Contra isso que acabei de falar.
Contra a parte maldita da raça branca que se crê salva, escolhida, diferente, dona do planeta, das montanhas, das florzinhas , dos bichinhos  e dos homens, incluindo os de sua própria cor.
Raça maldita quando obriga a trocar Iansã por Bárbara,  Abayomi, encontro feliz, por Graça, grega Raris. Araujo tanbém, essa última marcada a ferro em seu sobre-nome de descendência, pelo branco patrão português católico e estuprador.
Então, por mais longe que eu esteja de tudo isso, não posso deixar de saudar aqueles que nomearam Dandara,  princesa guerreira, ou nomearam meu amigo   Orumilá,aquele que sbe o quee a pessoa escolheu,por ela mesma,para vir fazer no mundo.
E não posso deixar de saudar esse texto de Albemar, de difícil compreensão religiosa,
 mas de carpintaria simples e fluente. 
Carpintaria teatral é um termo muito antigo, que Enéas Alvarez saboreava em suas críticas, mas que tem grande clareza. É quando um texto ou uma encenação consegue organizar bem os signos daquilo que pretende contar. 
Barthes chamou isso de maneira mais poética e justa: texto.
 Maneira de se contar uma história tecendo-a não só com letras, literáriamente.
Apesar da limpeza do texto, tenho que dizer que não gostei nada de Edinho matar Maria. A trama quase simplória poderia se resolver se não fosse a complicação dos elementos religiosos. Aquela farofa de gerimum - em religião- tem provavelmente a virtude de gerar a fúria final de Edinho. Mas fica uma katástrofe para iniciados, mas  para mim, leigo,  ficou sem força dramática, virou um crime banal machista. Não creio que fosse essa a intenção do texto.
Algumas atuações também precisando de ajustes porque jovens atores, outras admiravelmente convincentes como o papo do trio jogando cartas e discutindo quem vai ser o próximo rei do maracatu, porque atores jovens.
O cenário é altamente simples, funcional e no meu gosto muito bonito, mostrando mais uma vez  que muita grana e muito cenário meticulosamente carregados de madeirames só era interessante no tempo de Beto Diniz  e daquele nosso antigo teatro tapiescamente barroco.  
Só que o grande Beto trabalhava para ganhar a vida 
então era capaz de nos dar aulas de sabedoria
 ao trabalhar com  poucos recursos também, como no Vivencial Diversiones. 
Estou falando do bom, do safado, do real, do marginal Vivencial
e não do narrado,contado e requentado anos depois.
Aquele  entre 1978 de Repúblicas Darling e 1980  com As criadas. 
O melhor, o simplesmente escrachado. 
Período de Ivonete Melo, Suzana Costa, Fábio Coelho, Gil Granjeiro, José Ramos, Ivo Ribeiro e das artistas-bonecas que pulularam naquelas noite de Maruin .  O resto, deuses, o  resto foi o que contaram delas e não o que mestre Beto ensinava.
“ Pooo bre goguegouguegosta de lux...lux...luxo” gaguejava sempre Beto. 
Simples ,  não?
As tentativas de dar uma capa intelectual ao Vivencial, uma pele de cordeiro cult, de crítica ao regime mas não ao sistema foi feita se enxertando lá textos de acadêmicos de boa vontade, como um Trevisan  ou um Jomard. Mas que, autores de teatro de revista, eram bem ruins. 
Porque o modelo que seguiam era o de "dramaturgia-política". 
Tinha como objetivo e resultado final foi o de os transportaram 
da Ilha dos Maruins para o Sta Isabel.
Céus! 
Finalmente, o Vivencial, de tanto tropeçar nas escadarias, 
de pinho e pano, de luxo e de Beto, perdeu o viço. 
Virou um teatro pobre sem nenhum grande Grotowski para teorizar. 
Apenas nós, os amigos da noite, mergulhados num ranço de teatro acadêmico-intelectual-crítico. 
Todos a quilômetros da graça das Vivecas, nossas bonecas falando para o mundo. 
Cuja política era a própria luta, 
não necessitando de outras bandeiras um tanto quanto por fora, 
um tanto quanto 
adjetivadas e tardias e cuidadosas e 
bem bem bem sonolentas. 
A política que estava berçando o pós-maturo PT.
Quando vimos As Criadas, de Genet, dirigida por Fábio Costa, tivemos certeza de que as Vivecas nunca precisaram de nenhum de nós para fazer teatro de qualidade e humor corrosivo. Precisavam sim de nossa frequência. E eu estava lá, senhores, todas noites de espetáculo de 1978 a 1980. Levando e trazendo, na carona de meu chevette, o desesperado namorado de Beto.
Por isso testemunhei de perto e com horror - ao contrário dos Itaus e dos inúmeros papers laudatórios que apareceram depois- como um grupo pode ser dizimado.
Não, não foi a repressão política, não foi a polícia, 
não foi a censura não foi o clima geral de opressão que matou as Vivecas. 
Isso tudo foi o que as fizeram levantar a cabeça, 
inicialmente com  insensatez  santa de um  ex-religioso Coelho num País das Maravilhas.   
O que as matou
 foi a tentativa de colocá-las apertadas dentro do figurino de textos que não eram elas que teciam, textos desse tal de teatro mais ou menos decente que anda por aí há anos.
Pooo bre goguegouguegosta de lux...lux...luxo”. Esse sim foi o grande gênio por trás de tudo aquilo, ele que foi a mais profunda interação com Artaud que já tivemos em Recife. 
Gaguejava anos antes de Joãozinho XXX a sentença de morte do realismo socialista mais ou menos ainda em voga pelas beiradas do sistema, a sentença de morte do teatrão do Tap, a sentença de morte  da lamúrias do teatro regionalista, vivendo de joelhos com ganas medievais.
Ò michelotto, você quase não falou do trabalho deles
 com essa história de voltar atrás na história mal contada do teatro em nossas terras. 
Ora, lembrei-me do Vivencial - o bom e não o papagueado a posteriori-  porque o presente espetáculo tem a singeleza e a simplicidade que foram as maiores marcas da estética deles.
 E não sou eu quem irá pedir a esse grupo atual ,que faça um teatro que não seja deles, 
que cheire a naftalina ou a guardado em armário, como fizeram com as Vivecas. 
Pois como elas, tenho certeza de que esse teatro terá dificuldade em ser acolhido pela crítica vigente. 
Ou farão deles baluartes de uma pobreza que é esperta ( vide Ariano  e teatros oficiais) 
ou que luta ( vide teatros mais ou menos engajados).
 E eles não são. 
Ou farão deles, pela simplicidade do espetáculo, 
o pretexto para se pedir mais verbas para educação, cultura , 
para "ajuda-los"  e todos  etc  que conhecemos.
Têm as próprias pernas.
Pois que continuem andando! 
Esse é nosso único bom desejo. 
Não precisam de nossas muletas teóricas ou interesseiras. 
Até porque esse grupo tem um bom texto. 
E são artistas. 
E usam um tradutor libras que é uma peça à parte. Amei. 
E trabalham para melhorar.
E no mínimo, atuam com o coração.
Para mim está de muito bom tamanho.
O resto...
ora o resto senhores é com o público.


Nome da companhia/grupo/artista: GAS PRODUÇÕES – Grupo Teatral Ariano Suassuna 
Link para vídeo do espetáculo: https://www.youtube.com/watch?v=JMiFY6yIX20&t=525s

4 comentários:

  1. Ai esses seus textos tão cheios de poesia e sabedoria. Obrigada!! És o melhor!!

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  2. PAPOS DO SMS-FACEBOOK:

    SEI QUE VCS NÃO FORAM SELECIONADOS.
    MAS SEI QUE TALVEZ INTERESSEM PELO QUE ESCREVI SOBRE VOCÊS.

    http://calaessabocamichelotto.blogspot.com/2018/09/pecas-inscritas-no-janeiro-de-grandes.html

    É SOBRE GANGA,MEU GANGA REI.
    lamento vcs não estarem lá em janeiro

    Realmente, estamos tristes, afinal a nossa região nunca tem representante e a cidade de Igarassu sempre tem uma ótima produção artística. Mas sabemos que se trata de uma curadoria e não questionamos isso. Apenas queríamos mostrar um pouco mais do nosso trabalho e de nossos artistas que trabalham tanto e buscam reconhecimento.

    Mas agradecemos muito a atenção dada, e temos sim interesse pelo que escreveu. Vamos ler com muito carinho e respeito.
    leiam por favor o meu text. fui da comissão e claro não é ético comentar os votos fora dela.PORÉM avisei que iria escrever en meu blog de críticas sobre cada peça que vi .
    Infelizmente em video, o que atrapalha muito.posso dizer em off que recomendei vocês, o que não traz demérito para os outros, quem não recomendou deveria escrever porque. sempre defendi que os grupos tem direito de saber o que curadores falam deles.
    Afinal é um concurso com dinheiro público. mas sempre fui voto vemcido. dessa vez eu garanti que escreveria e publicaria.
    Voces me conhecem pouco ou nada.
    Posso avançar que pessoalmente não tenho simpatia com o teatro de Ariano.
    Isso não me impede de tentar ver com isenção alguma peça dele ou de grupo que o siga. vocês verão que mesmo assim fiquei muito impressionado com o trabalho de vocês.
    Desejo-lhes tudo de bom. o JGE não é a melhor coisa do mundo.
    Minha própria companhia ( DIG) se recusa a participar de festivais competitivos. Isso nos desune apenas.

    Espero que leiam e me enviem suas opiniões. terei o prazer de publicá-las, mesmo que sejam contra o que escrevi.
    O teatro não pode depender de nossas opiniões apenas.
    Um abraço. transmita a todos, ok?

    Ao menos ficamos felizes em saber do seu olhar, saber que alguém teve o cuidado de assistir e analisar.
    O julgamento por vídeo acho complicado, mas essas são as regras do jogo.
    Sinto muito , pela dificuldade em tantos outros grupos principalmente os que ficam fora do Recife em mostrarem seus trabalhos.
    Mas estamos aqui e nossa luta não para, somos incansáveis, não estamos a procura de prêmios, mas de espaço. Felizmente a no passado tivemos este espetáculo contemplado pelo funcultura e pudemos quebrar algumas barreira e levar nosso espetáculo para as comunidades e para os centros de umbanda e candomblé...
    Um abraço enorme e parabéns pela sensibilidade e pelas palavras.

    Se puder me fazer um favor, escreve esse seu comentário lá nos comentários de meu blog, ok? se não não conseguiremos nunca mudar nada.
    Não pensem que me ouvem.
    Ouvem muito mais aos próprios artistas, e com razão. então, por favor, comente lá se puder.
    obrigado.

    Ok. Irei comentar sim.

    obrigado! abraço. espero poder ver de verdade a peça de vocês um dia. Realmente gostei.

    Se depender de nós não faltará oportunidade. Abraços

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  3. PAPOS DE FACEBOOK

    COLETIVO PASSARINHO;

    Olá, boa noite, aqui é Rafael, que maravilhoso seu texto, onde nos assistiu?
    Vou compartilhar.

    14:32
    infelizmente assisti vocês em vídeo.
    Fiz parte da Comissão de Seleção do JGE para o ano que vem.
    O processo é democrático entre nós, o que significa que eu possa recomendar uma peça e ela não ser aceita.
    Nada contra meus colegas, apenas sempre achei que eu devia justificar meus votos.
    Então os faço por escrito dessa forma.e neste ano decidi publicá-los também.
    Pois podem ser úteis para os grupos.
    Peço que coloque sua opinião láááá´no meu blog, ok? é bom que os outros vejam o que vocês acharam também.E isso me incentiva a continuar escrevendo.
    Não ganho um tostão com isso.
    Já fui crítico no Diário e me baniram por censura.
    Então faço porque gosto de teatro e tenho uma companhia tb.
    Curtam ai:
    https://www.facebook.com/dImprovizzoGang/
    Dig • d'Improvizzo Gang
    É nossa página que está saindo do ar porque o snack faliu...kkkk...sério...então vai aparecer como não segura.
    Não teNham medo, é porque está acabando.
    http://dig.snack.ws/
    Fim da conversa de chat

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