michelotto locuto, causa infinita *
Há espetáculos que nos derrotam.
Estão entre limites de nossa adaptabilidade ao mundo.
Vou tentar explicar.
É bom se lembrar que
espetáculo, vem de spectare+ o diminutivo “ulus”. Significa pois originalmente
apenas uma olhadela de soslaio, palavra feíssima em português. Em inglês é “glance”,
bem mais bonita- apesar de Suassuna- e ainda lembra glande, também bonita.É bom
lembrar também um pouco de psicologia social via Google. Lá diz que uma pessoa
valorizar o que é seu é muito bom.
E é claro que é!
Está assim explicado porque todas
tendências regionalistas em arte têm o apelo de nos encantar.
Porque são baseadas no Google!
Nossa pátria, nossa região, nosso nordeste,
nosso cuscús, nossos cús, nossa rabeca, nossa seleção de futebol, nossa
companhiazinha de teatro nos comove o coração, todo esse pequeno mundo que nos
cerca e acalenta tem também algumas desvantagens.
Uma delas é que muitos pseudo-intelectuais se aproveitam dessa nossa
fraqueza emocional endêmica para nos fazer engolir coisas muito ruins mas que
estão revestidas com o manto do sotaque, da musiquinha instrumental, da
sagacidade rurbana. E assim, acobertados por esta pelagem de cordeiros de nosso
rebanho, vão ocupando cargos públicos pra todo lado, alimentando-se,
famigerados, de nossas parcas verbas para manutenção de nossa cultura e de
nossa região e de nossa pátria e de nossa alma.
Todos conhecem de sobejo as pessoas, as famílias , os arraes, os melo,
os monteiros, os freyre, as instituições , governos de Pe, fundarpes e outras
pinóias que se perpetuam ervas daninhas por aqui, usando o falso sotaque do
regional.
Esse regionalismo de mentes e fachada nos serviu para manter ilhados,
afastados de muitos continentes.
Daí nossa dificuldade, aqui, de falar sobre determinadas peças ou
determinados movimentos culturais.
Ficaram fora de nossa estreitíssima visão regional, que só consegue
alcançar os montes Guararapes e suas batalhas cobertas de glória.E sangue,
muito sangue..
A peça que vi me
fez pensar em tudo isso. Pensar ao ter dificuldade de classificá-la.
Ela tem mais música que muito musical, mais dança que muita dança, mais
performance que muita performance, mais safadeza que muito Barreto Junior, mais crítica social
que muito discurso de candidato ou papo de nossa esquerda regional, mais
criatividade que o nosso papa, o Angu.
Mas enfim ela é uma peça e não um tratado sócio-econômico regionalista
verbete mau escrito da Itaú Cultural.
Então há o que se
falar sobre. E talvez até muito.
Pois ela versa sobre nossa capacidade de contar nossa história. Em seu
centro está, portanto tudo o que falei acima, porém dito com mais verve. Não
foi divagação para encher de texto meu tempo com você leitor.
E esse, a construção do texto,
é sem dúvida o maior problema que nós enfrentamos hoje em dia, tanto no teatro
como no Congresso Nacional.
Nós e os anjos.
Por serem ruins de leitura os
anjos da cara virada erraram o endereço e
queimaram o museu e não o
congresso NACIIONAL!
A história de nossas misérias foi pensada ao modo bufão. E isso é um
filão que pode ainda render muito ao espetáculo.Também porque esse ator é muito
bom. E um bufão tem que ser muito bom.
Passemos à literatura.
Olinda é uma dama uó, Recife
um macho retado que não pode ver Olinda sem se encaixar. Ligeiro erro de glance
do autor sobre nosso macho Recife que,
graças a deus, não é nem de longe chegado nisso. O Holandês, um produtor
cultural ávido de ficar com tudo e bom só de papo.
Enfim, todos etceteras da peça muito bem achados- bene trovatto.
Agora vou dar minha lição.
Minha Aula Magna que a Ufpe me negou.
Se eu tivese ficado na
Sorbonne em 1972 essa aula seria na École de France isso sim. Mas ai minha
história pessoal seria diferente e eu não teria tido a chance de seguir o JGE
de 2019 .
Uma lástima e uma falha em minha cultura um tanto vastíssima.
Acreditem, não troco essa aula
para vocês por nenhuma que dei na Sorbonne ao lado de Barthes.
Não só para um grupo, porque
não tenho tempo nem paciência para me limitar a dar aulas para um grupo do
teatro pernambucano. Sou maior, sou genial, dou aulas para o mundo.
Tenho sotaque pernambucano também.
Vamos lá.
Barthes ne ensinou que TEXTO
não é aquela coisa cheia de letrinhas em fila de formiga numa folha de papel.
“Texto é como uma renda de bilros de Passira em Pernambuco”- dizia ele e
adaptava eu.
“Deixa essa noção velha e burra
para o pessoal dos departamentos de Letras das universidades brasileiras”-
disse-me Barthes , também textualmente.
Um espetáculo DEVE ser
considerado como uma maravilhosa colcha. Conhecem as, antigas, de retalho?
Isso! Estão agora nos entendendo.
O trabalho em teatro é aquela parte em que se tece.
O espetáculo é apenas aquela
parte em que se dá a ver a obra, como numa piscadela. O que se faz por debaixo
das colchas é mistério e segredo. E muito mais.
Como ver Mascates sob essa ótica ?
O crítico do JGE é apenas o que tem a chance de piscar muitas vêzes
Porque tenho um video e passo e
repasso e vou e volto
Então podemos de algum modo- se
não formos estritamente obtusos-
presenciar os fios, a urdidura e os nós de cada trama.
As urdidura desse espetáculo:
1- escolha
da nossa história.
2- sob
a ótica do bufão, isso é, inconveniente em sua verdade.
3- espaço
cênico, “cenário” kinesfera de atuação
funcional, mágico, sobe , desce, gira, esconde coisas, tem possibilidade
de se transfigurar em outros espaços, é birô de âncora de noticiário, é nau, é
a cidade de recife é muita coisa mesmo, sobretudo e portanto é admirável. O que
nos foi apresentado dava pano para 10 outras colchas, de tão inventivo que é.
Podem acabar virando muletas da atuação.
4- o
ator é o que em última análise é o único
responsável pelo espetáculo, porque a
colcha é montada por sobre seu corpo, seu corpo é aquela almofada cheia de bicos onde se prendem as linhas para
o transado e os nós. Quem nos re-presenta é um grande ator. Versátil. Á
vontade. Nos faz respirar o texto barthesiano. Dá tempo ao riso. Só não dá
tempo à história, ao enredo, à trama do todo, porque isso infelizmente é o que
se atribui a um diretor do século XIX e
é o que está visivelmente atrapalhando a todos, aos nós, a nós, ator e público.
Esse é meu gancho para falarmos dessa figura horrenda chamada diretores.
5- A
direção nunca deveria existir já que não estamos mais no tempo inicial do Tap
ou do TEP, temos hoje em dia atores que sabem ler, sabem cantar, sabem dançar e
principalmente, que PENSAM. Ou não? Ora,
tecer teatro não é só juntar todos os fios disponíveis, texto literário,
atores, cenário, figurino e nem vou repetir a ficha técnica.
É
dar nós, tramar, tudo isso.
E como tudo isso se chama teatro, toda trama está em
relação a um público presente e não a um indivíduo leitor, como um
romance. E é por isso que dependemos de
ritmo. O ritmo é a respiração conjunta entre atores e seu público. O que
significa que está permitido aos atores pular trechos enormes de sua
apresentação- sua estadia diante de seu público- caso perceba que está tirando
o ar, sufocando, cansando ou levando a dormir o outro elemento básico da
existência de uma ação teatral.
O presente espetáculo arrasta algumas vezes o ritmo.
Creio que basicamente por
causa da causa maior de nossos males: um texto literário pouco trabalhado,
pouco burilado, pouco aquilo que um Shakespeare fazia.
Se me entenderam até aqui,
o texto literário é apenas um fio de tudo o que se queira chamar de
texto pós -Barthes.
Se me entenderam bem
o trabalho do ator e diretores e ficha técnica é o de dar nós nisso
tudo.
Se me entenderam bem,
uma colcha não nos esquenta mais por ser enorme, mas pode ser espessa.
1 minuto de um bom teatro irá nos esquentar mais que uma hora de sermão.
E nos fará passar uma eternidade, respirando juntos.
Beckett quem o disse ao escrever Sopro, peça de uma só respiração
gigantesca.
6- O
texto literário, ou a falação, também chamado impropriamente de dramaturgia,
não é linha 10, forte. É fraquinha e ameaça toda hora romper o espetáculo,
desviar nosso olhar apaixonado. Pois queiramos ou não, a falação ainda é a
marca primordial de nossos espetáculos.
Quando a retiramos, como Samuel Beckett o fez em sua dramaturgia e mudou
para sempre o alcance de nossa cega visão teatral dezenovecentista, quando a retiramos muitos
ainda se sentem órfãos como se tivessem perdido algo essencial como pai e mãe.
Ora, já diz meu Google, pais nunca foram essenciais, apenas acidentes na vida de um mamífero.
E por último,
mas não por fim, já que toda
minha falácia está inscrito no JGE, afirmo que devíamos ter verbas não só para
apresentação das colchas, como para discussão de nossa técnica de tecer atual e
de suas mudanças. Não, não é aquela coisa de nome inglês.
O que peço não é mais dinheiro para workshop não.
Workshop é bom mas contempla
partes, pequeninas técnicas pessoais aqui e ali, micro-gurus do micro, paninhos
de cozinha que também têm sua utilidade. Temos que pensar grande.
Temos que ter dinheiro para
nos reunirmos maciçamente e mudarmos todos os termos, gramáticas e sintaxes
antigas que nos regem e nos atrapalham e todos espaços velhos dessa cidade onde
qualquer chama de um entusiasmo pode criar incêndios desproporcionais e nos
transformar em cinzas.
Marx já dizia a respeito, os mortos governam os vivos.
Que nossa única chance de nos
governarmos não seja a de antes sermos torrados vivos dentro do Sta. Isabel ou
algum desses caros e velhos casarões alternativos. Estamos sempre lutando para
não, mas em verdade sendo governados por teorias, ótica e visão estreita do
século XIX, um romantismo sem glamour porque fora de sua época.
Epokè, é o momento em que fazemos história.
Já passou da hora de pegarmos a nossa na mão e sair caminhando e
cantando.
Por favor, sigamos a canção.
E eu nem gostei tanto do espetáculo.
Imaginem se eu tivesse gostado!!!
Indico e recomendo.
O Mascate, a pé rapada e os
Forasteiros (Cia. De Teatro
Cínicas com Objetos/ Recife – PE)
Texto e Atuação: Diógenes D. Lima
Supervisão Artística: Marcondes Lima e Jaime Santos
Coreografias: Jorge Kildery
Adereços: Triell Andrade e Bernardo Júnior
Iluminação: Jathyles Miranda
Execução de Iluminação: Rodrigo Oliveira
Execução de sonoplastia: Júnior Melo
Programação Visual: Arthur Canavarro
Fotografia: Ítalo lima, Toni Rodrigues, Sayonara Freire e Sócrates Guedes
Cenotécnico: Gustavo Oliveira
Assessoria de impressa: Cleyton Cabral
Gerente de Produção: Luciana Barbosa
Gênero: Comédia
Duração: 60 mim
Classificação etária: 16 anos
Texto e Atuação: Diógenes D. Lima
Supervisão Artística: Marcondes Lima e Jaime Santos
Coreografias: Jorge Kildery
Adereços: Triell Andrade e Bernardo Júnior
Iluminação: Jathyles Miranda
Execução de Iluminação: Rodrigo Oliveira
Execução de sonoplastia: Júnior Melo
Programação Visual: Arthur Canavarro
Fotografia: Ítalo lima, Toni Rodrigues, Sayonara Freire e Sócrates Guedes
Cenotécnico: Gustavo Oliveira
Assessoria de impressa: Cleyton Cabral
Gerente de Produção: Luciana Barbosa
Gênero: Comédia
Duração: 60 mim
Classificação etária: 16 anos
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